Junot na literatura romancista oitocentista

É interessante notar como a figura de Junot, general comandante da 1.ª invasão francesa a Portugal (1807), foi tratada na literatura romancista de alguns autores do século XIX, nomeadamente de Camilo Castelo Branco e de Manuel Pinheiro Chagas.
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Camilo escreveu um pequeno romançe, "Livro de Consolação", cujo o enredo coloca em atracção de amor dois personagens, a saber, o alferes Eduardo Pimenta e a fidalga D. Antónia de Portugal, «famigerada formosura naquele tempo». Como é frequente nos romançes camilianos, o amor destas duas personagens estava impedido pelo conservadorismo social predominante em Portugal do Antigo Regime, representado na figura de um tio tutor de D. Antónia de Portugal que tomou as medidas necessárias para que amor tão genuíno não se florescesse. Ora o tio de D. Antónia, ao qual Camilo não lhe dá nome, apenas referindo «que por vezes exercera o então poderoso cargo de ministro de Estado» perante a tenacidade do amor de ambos, coloca em clausura a sobrinha no Mosteiro de Santa Clara em Coimbra, ao mesmo tempo que encarcera o alferes Eduardo Pimenta no forte de S. João da Foz no Porto, acusado de deserção.
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Estão neste ponto as coisas, quando entrou em Portugal Junot, «e com ele a vanguarda de ideias livres vestidas com a pompa da iguldade humana - santas palavras que desafogam corações abafados às mãos de tirania de pais e tutores.». Logo D. Antónia de Portugal escreve ao general francês a descrever a injusta situação e a pedir a sua e a libertação do seu amado, pedido a que Junot responde: «Madame. A inocência oprimida não se dirige inutilmente ao representante do grande Napoleão [...] ordeno que se vos dê liberdade e passaporte para Lisboa. Vinde ali, e de lá ser-vos-á fácil fazer sair dos cárceres do Porto o ente que vos interessa [...]. Eu vos protegerei a ambos. [...]».
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No romançe "Os Guerilheiros da Morte", conta Manuel Pinheiro Chagas uma história em tudo semelhante à de Camilo, existindo neste caso uma paixão proibida entre o sargento da Guarda Real de Policia, Jaime Altavila e a filha mais nova do Conde de Vila Velha, Madalena, que por insuficiência de riqueza da casa condal para o dote do seu casamento ficou reservada para esposa de Cristo. Quando Jaime pede a mão de Madalena ao Conde de Vila Velha, «O conde caiu das nuvens e julgou-se insultado.» Durante a ocupação francesa, o sargento Jaime Altavila conseguio empregar-se no Quartel General de Junot, sedeado no Palácio de Quintela (Rua do Alecrim). Tendo acesso directo a Junot e sentindo o seu favor, falou-lhe do seu caso sentimental. Junot ordena imediatamente a libertação de Madalena do convento pondo-a sob protecção da Condessa da Ega, enquanto diligencia junto do Papa Pio VII a anulação dos votos de claurura.
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Junot, representando a entrada, ainda que violenta, da nova ordem social resultante da Revolução Franccesa é apresentado simbolicamente por alguns romancistas como o libertador dos sentimentos amorosos oprimidos pela velha ordem social portuguesa. Ao mandar soltar as mulheres amadas das celas conventuais, Junot questiona o paradigma sócio-familiar vigente da aristocracia portuguesa, pronunciando novos tempos, que haveriam de chegar com a Revolução Liberal de 1820.
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Bibliografia:
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BRANCO, Camilo Castelo - Livro de Consolação in Obras Completas de Camilo Castelo Branco, vol. VII, dir. Justino Mendes de Almeida. Porto:Lello e Irmão, 1987, pp. 137 - 324.
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CHAGAS, Manuel Pinheiro - Os Guerrilheiros da Morte. Lisboa: Planeta editora, 2009.

1 comentário:

José Norton disse...

Parabéns pela qualidade dos artigos publicados no seu blog