O torreão poente do Paço da Ribeira. A Biblioteca Real ocupava o segundo piso do edifício, destruido pelo terramoto de 1755. Pormenor da gravura de Dirk Stoop de 1662 representando o embarque da infanta D. Catarina, Rainha de Inglaterra. Fonte: URL: http://www.arqnet.pt/portal/imagemsemanal/junho0303.html
A par de um novo espaço D. João V decidiu aumentar substancialmente o fundo documental da sua biblioteca. Encomendou ao corpo diplomático português nas principais cortes europeias livros e até bibliotecas particulares vendidas em leilão como fez com o padre. D. Luís Caetano de Lima, clérigo teatino e secretário do embaixador português em Haia entre 1710 e 1718:
«Foi também [Padre D. Luís Caetano de Lima] em differentes occasiões encarregado da compra de numerosas partidas de livros, e de algumas livrarias inteiras, que por aquelle tempo se vendêrão em Hollanda, de que o Grande Rei D. João V formou a sua numerosissima, e selecta Bibliotheca. E talvez este seria o fim, e o motivo, por que o mesmo Monarca lhe mandou entregar algumas cedulas em branco, e sómente firmadas de seu Nome, pela sua Real Mão, das quaes as que o dito Padre ainda conservava em seu poder, voltando para Lisboa, pessoalmente entregou ao mesmo soberano.» (Caetano de Bem, 1794, p. 147).
E D. Luís da Cunha, embaixador português em Haia, adquire entre 1728 e 1731 cerca de 9 remessas de livros enviadas à Biblioteca Real. O monarca mandou igualmente comprar livros, sobretudo de Teologia e Direito, para a Biblioteca da Universidade de Coimbra (Veiga, 1991, p. 37, 41, 50 - 51, 53, 56, 59 - 60, 71, 82 - 84, 90, 93). A bibliofilia real era conhecida em determinados círculos da Europa pois em 1746 foi-lhe entregue através embaixada portuguesa em Paris o catálogo da biblioteca do Abade de Orleães para uma eventual compra (Ibid., p. 344). D. João V também subsidiou vários escrivães em Roma, na Biblioteca do Vaticano, para transcreverem as obras originais dos Santos Padres a fim de colocar na biblioteca as respectivas cópias [1].
Esta política de aquisições sujeitava- se a um rigor selectivo pois já no século XVIII havia a consciência de que na imensidão dos livros nem todos eram merecedores das bibliotecas, especialmente de uma biblioteca real. A vulgaridade dos livros, a maioria de gosto popular, publicados sem critério excepto o comercial, era vista por alguns intelectuais como um mal cultural, uma “praga” da república das letras (Mota, 2003, p. 77-78). Por conseguinte nomeou-se uma comissão de sábios responsável pela política de aquisições e de catalogação da Biblioteca Real, que D. Francisco Xavier de Menezes, 3º Conde da Ericeira menciona nos comentários à Bibliotheca Sousana:
« Já ponderey (como agora repito no Catalogo de huma Biblioteca Selecta, que o Author deixou muito adiantado) quando era util o conhecimento dos Authores escolhidos, de que huma Livraria deve comporse, não occupando indignamente os maos livros os lugares dos selectos, o tempo, e a despeza dos estudiosos, sendo aquella vulgar multidão a que, diz Seneca, distrahe, e não instrue aos que aprendem. Nos ultimos dous seculos tem sido utilissima esta applicação, a que chamão superficial os que o são nos seus estudos. Empregava-se o nosso Author [D Manuel Caetano de Sousa] na primeira, e mais nobre parte da numerosa, e excellente Livraria, que el Rey tem, e formou, conserva, e augmenta mais na sua comprehensão, que no seu Palacio. Ao Padre D. Manoel tocou a parte, que comprehende a Biblia, e os seus Expositores. Ao Illustrissimo João da Mota e Sylva, então Conego Magistral da Santa Igreja Patriarchal, hoje Eminentissimo, e dignissimo Cardeal da Santa Igreja Romana, se distribuîo a Theologia em todas as suas divisoens. Ao Illustrissimo Paulo de Carvalho e Attaide, o Direito Canonico, e Civil. Ao Doutor Francisco Xavier Leitão, Medico da Camera de Sua Magestade, e hoje digno Academico da Academia Real, pertencerão os livros de Filosofia e Medicina. Ao Excellentissimo Marquez de Alegrete Fernão Telles da Sylva, do Concelho de Estado, se fiou a Filologia. Ao Excellentissimo Marquez de Abrantes, Gentil homem da Camera, a Historia. E a mim, para que a eleição só nesta parte não fosse igual, a Mathematica, e as outras Artes. Os Catalogos, que anciosamente desejamos ver impressos, erão todos com Critica judiciosa, e o que fez o Reverendissimo Padre D. Manuel merecia hum titulo à parte nesta Bibliotheca Sousana. » (Academia Real da História Portuguesa, 1736, p. 45 -47).
Os catálogos dos cerca de 30 000 volumes que compunham a Biblioteca Real nunca chegaram a ser publicados e quase tudo acabou entre escombros e cinzas no dia 1 de Novembro de 1755. Desaparecera uma grande e selecta biblioteca com muitas preciosidades bibliográficas, obras raras e únicas.
Notas:
[1] Relação do horrível e espantozo terremoto que padeceu o Reino de Portugal com especialidade a corte de Lisboa sua Metrópole em 1º de 9bro do anno de 1755 escrita por hum curiozo, para memoria das Idades Futuras, manuscrito de 1756 incluído no tomo 2 da colectânea de textos sobre o terramoto entitulado Biblioteca Volante ou colleção de relações dos lamentáveis effeitos que fez o Terremoto do 1º de Novembro de 1755, compilados e reunidos por Fr. Matias da Conceição em 1756, fol. 9 - fol. 9v.
Bibliografia:
ACADEMIA REAL DA HISTÓRIA PORTUGUESA (1736) - Collecçam dos Documentos e Memorias da Academia Real da Historia Portugueza...Lisboa: na Officina de Joseph Antonio da Sylva
CAETANO DE BEM, Thomaz, D. (1794) – Memorias Historicas Chronologicas da Sagrada Religião dos Clerigos Regulares em Portugal , e suas Conquistas na India Oriental. Lisboa: na Regia Officina Typhografica, 2º vol., 2º tomo
FERREIRA, Carlos Alberto (1940) - As Livrarias Reais de D. João IV a D. João VI, in Congresso do Mundo Português, [Lisboa]: Comissão Executiva dos Centenários, vol.VII, tomo 2º
MOTA, Isabel Ferreira da (2003) - A Academia Real da História: os intelectuais, o poder cultural e o poder monárquico no séc. XVIII. Coimbra: Minerva
PIMENTEL, António Filipe (1992) - Arquitectura e Poder: o Real Edifício de Mafra. Coimbra: Universidade de Coimbra
RIBEIRO, José Silvestre (1914) - Apontamentos históricos sobre bibliotecas portuguesas. Coimbra: Imprensa da Universidade
VEIGA, Raul da Silva (1991) - Catálogo de Documentos do Cartório de D. Luís da Cunha (1709 - 1749). Coimbra: Instituto Nacional de Investigação Científica
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