O arquitecto e arqueólogo Possidónio da Silva.
(Fonte: Arqueologia e História, vol. 51 (1999), imagem da capa.)
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Arquitecto, arqueólogo e fotógrafo, Joaquim Possidónio Narciso da Silva é uma das figuras do oitocentismo português merecedora de ser recordada, sobretudo este ano, quando ocorre o bicentenário do seu nascimento. Em 1824 vai para Paris frequentar o curso de Arquitectura na École de Beaux Arts que conclui ao fim de 4 anos. Entre 1829 e 1830 esteve em Roma, voltando a Paris para colaborar nas obras do Palais Royal e das Tulheries. No final de 1833 retorna a Portugal, tornando-se arquitecto da Casa Real. Participa nas obras dos Palácio da Pena, São Bento, Necessidades, traçando também o Palácio do Alfeite.
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O romatismo, revisitando o passado medieval e descobrindo nele as origens nacionais, valoriza uma estética arquitectónica neo-medieval, supostamente reflectora da genuinidade nacional. Possidónio da Silva apreendera em França e Itália esta nova cultura que tanto influenciou a arquitectura europeia, e é como arquitecto do romantismo que toma contacto com os grandes edifícios históricos de Portugal. Percebeu que a necessidade de valorizar o passado que viu nascer Portugal implicava intrinsecamente a perseveração dos testemunhos arquitectónicos. Assim, no final da década de 50 de oitocentos conseguiu obter o apoio do governo para o primeiro levantamento dos principais monumentos nacionais, e recorrendo aos jornais procurou sensibilizar a opinião pública para a problemática da perseveração do património arquitectónico. Nos numerosos encontros internacionais apresentava comunicações sobre História da Arquitectura portuguesa, e foi um dos primeiros a usar a fotografia para registar a imagem dos monumentos nacionais.
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Mas o seu interesse pela conservação do património não se resume à Arquitectura histórica. A Arqueologia, neste período uma ciência emergente, recolhe igualmente toda a dedicação de Possidónio da Silva. Em 1863 foi um dos sete fundadores da Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos Portugueses, hoje denominada Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP). A AAP da qual Possidónio da Silva foi o principal mentor e 1º presidente foi a única instituição em Portugal que durante décadas zelaria e pugnaria pela preservação e divulgação do património arquitectónico e arqueológico. A própria localização da sede da AAP é paradigmática dessa realidade. A Igreja do Convento do Carmo, edifício gótico do final do século XIV e início do século XV, estava na época devoluta e atulhada de lixo. Possidónio da Silva e os seus companheiros solicitaram ao rei D. Luís a cedência do edifício para localizar a sede da AAP como estratégia de perseveração do monumento. Um dos primeiros objectivos da AAP era a criação de um museu arqueológico, o primeiro em Portugal, dedicado à recolha do património arqueológico, arquitectónico e histórico, devotado ao abandono tanto em Lisboa como nas províncias, salvaguardando-o da perda total. Possidónio da Silva usou a AAP como instrumento da sua política de perseveração, divulgação do património e sensibilização das populações para a necessidade de o proteger. Exemplo disso, é a criação no âmbito da AAP de cursos de História da Arte e de Arqueologia, a solicitação aos sócios correspondentes de um levantamento dos monumentos megálitos das suas áreas de residência.
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Por fim, em 1880 Possidónio da Silva, recorrendo à sua influência política conseguiu obter da parte do governo a fundação da Commissão de Monumentos Nacionaes, órgão que tinha a missão de identificar e classificar o património histórico nacional e a recomendação de legislação que visasse a sua protecção.A obra possidiana confrontou-se com obstáculos ciclópicos: o atraso cultural das populações, o desinteresse e ignorância das elites políticas, sobretudo as da administração local, uma opinião pública inexistente ou muito débil, hobbies poderosos, etc, fizeram com que muito ficasse por fazer. No entanto, Possidónio da Silva abriu em Portugal a problemática da conservação do património histórico, tema ainda tão actual, quase sempre envolto em polémica, talvez porque os problemas com que Possidónio da Silva se confrontou ainda se fazem sentir.
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