As campanhas oceanográficas do rei D. Carlos

Desde a expansão marítima e até ao fim do século XIX, o mar foi visto sobretudo como uma via de comunicação entre Portugal e o resto do mundo, particularmente com as colónias, e um palco de guerra onde se defendiam as frotas mercantes, as rotas comerciais e a costa do reino dos ataques de corsários e potências rivais. Foram poucos os que viram no mar uma fonte de conhecimento científico.
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As campanhas oceanográficas do rei D. Carlos (1889 - 1908) introduziram uma outra visão do mar português. Por elas o mar constituía-se mundo em sim mesmo, revelador de segredos e conhecimentos ignorados, um novo espaço de expansão que justificava o investimento de recursos para o seu estudo científico. Compreendendo o valor do oceano, D. Carlos patrocinou 12 campanhas oceanográficas a bordo do iate Amélia entre 1896 e 1907. Neste projecto contou com a preciosa orientação científica do naturalista Alberto Alexandre Artur Girard (1860 - 1914), conservador do Museu de História Natural de Escola Politécnica e o organizador da colecção oceanográfica resultante das investigações. O objectivo principal do estudo oceanográfico da costa portuguesa era o conhecimento exaustivo da fauna marítima, especialmente aquela com maior valor económico para a pesca. Esperava-se por via do estudo das espécies desenvolver métodos de pesca mais eficazes. A intensa actividade oceanográfica desenvolvida passou ainda por campos tão diversos como o estudo das correntes ou da topografia dos fundos marítimos, tendo inclusivamente chegado a reconhecer a existência de profundos vales submarinos próximo da costa, na região do Cabo Espichel.
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O iate Amélia. Imagem do desenho oferecido pelo rei D. Carlos a Alexandre Girard como recordação da campanha oceanográfica de 1896. (fonte: PAILLER, Jean - D. Carlos I, Rei de Portugal: destino maldito de um rei sacrificado. Lisboa: Bertrand Editora, 2002)

Ao fim de 12 campanhas, foi reunida uma colecção oceanográfica de elevado valor científico, ainda mais que eram poucos os países na altura com projectos oceanográficos. D. Carlos como mecenas e Girard como cientista colocaram Portugal na vanguarda mundial do estudo do mar no início do século XX. Não se pouparam esforços para divulgar a colecção e o resultado dos estudos Foram feitas exposições públicas, como a que inaugurou o Aquário Vasco da Gama em 1898, com o material recolhido nas campanhas de 1897 e 1898, no Rio de Janeiro e em Milão. Nesta última cidade a colecção oceanográfica foi bastante lisonjeada pela imprensa e comunidade científica. Editaram-se as seguintes obras para divulgar a investigação oceanográfica portuguesa na comunidade científica:

Yacht Amélia: campanha oceanográfica de 1896. Lisboa: Imprensa Nacional, 1897

Resultado das investigações científicas feitas a bordo do yacht “Amélia” e sob a direcção de D. Carlos de Bragança: pescas marítimas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1899 - 1904, 2 vols. Vol. I: A pesca do atum no Algarve em 1898 (Ichthyologia); vol. II: Esqualos obtidos nas costas de Portugal durante as Campanhas de 1896 - 1903

D. Carlos de Bragança - bulletin des campagnescientifiques accomplies sur le yacht “Amélia”. Lisbonne: Imprimerie Nationele, 1902, 112 p.

. Alexandre Girard (1860 - 1914), responsável científico das campanhas oceanográficas. (fonte: PAILLER, Jean - D. Carlos I, Rei de Portugal: destino maldito de um rei sacrificado. Lisboa: Bertrand Editora, 2002)

Pretendia o rei D. Carlos inaugurar um museu oceanográfico no Palácio das Necessidades, mas o seu assassinato em 1908 gorou essa intenção. D. Manuel cedeu em 1910 a colecção à Liga Naval Portuguesa, que inaugurou a Secção Oceanográfica D.Carlos I do então Museu de Marinha, situado no Palácio dos Duques de Palmela, ao Calhariz. Mais tarde, com a extinção da Liga Naval Portuguesa em 1929, a colecção transita para o Museu Condes de Castro Guimarães, em Cascais, sendo doada por escritura pública notarial e por decreto-lei de 11 de Junho de 1935, ao Aquário Vasco da Gama-Estação de Biologia Marítima. A Biblioteca Científica do Rei, incluindo verdadeiras preciosidades bibliográficas e constituindo um espólio de valor inimaginável, foi também oferecida nessa mesma altura. Desde então, o Aquário Vasco da Gama tem sido responsável pela conservação deste fantástico património, parcialmente em exposição permanente ao público visitante desde 20 de Maio de 1943, por ocasião do 45º aniversário desta instituição, altura em que reabriu ao público o Museu Oceanográfico D. Carlos I.

Bibliografia:

http://aquariovgama.marinha.pt/AVGama/Site/PT/Museu/Coleccao_rei/

http://aquariovgama.marinha.pt/AVGama/Site/PT/Museu/rei_dom_carlos/

SILVA, Inocêncio Francisco da (1810 - 1876); ARANHA, Brito (1833 - 1914) - Diccionario bibliographico portuguez [doc. electrónico]. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001

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