A pesca em Portugal no final do século XVIII

A Academia das Ciências de Lisboa (ACL), fundada em 1779, teve por objectivo o adiantamento da agricultura, das artes, e da indústria em Portugal e suas conquistas. Para esse fim, e no âmbito do pensamento económico fisiocrático, do qual era a principal representante em Portugal, patrocinou inúmeros estudos sobre o desenvolvimento da economia nacional. Constantino Botelho de Lacerda Lobo (1754 -1821), professor de física da Universidade de Coimbra e sócio da ACL, foi um dos estudiosos patrocinados pela ACL, dedicando parte dos seus esforços ao estudo da economia marítima portuguesa nos anos 1789 a 1791, mais concretamente sobre a actividade da pesca e da salinicultura.
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Efectuou 3 viagens para avaliar o estado das pescas em Portugal. De 1789 a 1791 viajou à costa de Entre Douro e Minho e ao litoral entre a foz do Sado e Guadiana. Dessas viagens de observação resultaram 4 estudos publicados nas Memórias da Academia das Ciências de Lisboa nos tomos III, IV, e V, nos anos 1791, 1812 e 1815 respectivamente. Um dos estudos é de âmbito local (Monte Gordo), dois são de âmbito regional (Algarve e Entre Douro e Minho) e um outro é de âmbito nacional (Portugal Continental), não obstante ser muito parco em informações sobre as comunidades piscatórias situadas entre a foz do Mondego e Sado.
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Barco de pesca da Ericeira. Imagem dos finais do século XVIII inserida no 4.º vol. da obra Algemeines Worterbuch der Marine de Jhoam Hinrich Roding, publicada por António J. Nabais. (Fonte: NABAIS, António J. - Barcos, 2.ª ed., Seixal:Câmara Municipal do Seixal, 1984, p. 75)
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População piscatória em 1789/1790
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Do cômputo dos elementos quantitativos publicados por Constantino B. L. Lobo é possível determinar os seguintes dados: na região Entre Douro e Minho, existiam em 1789, 8 comunidades piscatórias (S. João da Foz, Matosinhos, Vila do Conde, Póvoa de Varzim, Esposende, Fão, Viana do Castelo e Caminha) com 2 466 pescadores e 532 embarcações.(LOBO (b), 1991, [2.ª ed.], pp. 289 - 313).
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Para o Algarve, em 1790, existiam 13 comunidades piscatórias (Lagos, Alvor, Portimão, Ferragudo, Armação de Pêra, Albufeira, Quarteira, Faro, Olhão, Fuzeta, Tavira, V. R. Santo António e Castro Marim), com 3 811 pescadores e 354 embarcações (Idem (c), 1991, [2ª. ed.], pp. 69 - 101). Os valores destas regiões referentes ao número de pescadores totalizam 6 277 pescadores.
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Pensando nós que o restante litoral português não aglomerava um número de pescadores superior à região Entre Douro e Minho e Algarve, a população piscatória portuguesa nos anos 1789/1790 não devia ultrapassar os 12 500 efectivos.
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A decadência das pescas: os sintomas
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Constantino B. L. Lobo avaliou o estado das pescas como decadente. Como sintomas dessa decadência considera:
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1 - O abandono de diversos ramos da pesca, como a pesca do bacalhau, da baleia e do coral (Idem (a), 1991, [2ª ed.], p. 263) outrora praticados pelos pescadores portugueses.
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2 - A crise de vocação profissional, devido os filhos dos pescadores não quererem seguir a actividade dos pais. A pouca atractividade social da pesca foi verificada em diversos lugares (Viana, Vila do Conde, Matosinhos, S. João da Foz, Aveiro Setúbal, Algarve), factor que provocava a falta generalizada de mão de obra no sector pesqueiro (Ibidem, pp. 262, 263, 266, 274, 280). A pobreza, as dificuldades e entraves ao exercício da pesca desviavam os pescadores para a emigração no Brasil e Espanha ou para outras actividades económicas.
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3 - A importação de pescado, sobretudo da Galiza, para determinadas regiões do país, como o Minho, região antes auto-suficiente e exportadora de peixe constituía outro dos sinais de decadência (Ibidem, p. 262 - 264). Mesmo as comunidades piscatórias mais produtivas, como Póvoa de Varzim, eram incapazes de satisfazer a procura dos mercados regionais (Ibidem, p. 263).

Lancha de pesca do alto. Imagem dos finais do século XVIII inserida no 4.º vol. da obra Algemeines Worterbuch der Marine de Jhoam Hinrich Roding, publicada por Nabais. (Fonte: NABAIS, António J. - Barcos, 2.ª ed., Seixal: Câmara Municipal do Seixal, 1984, p. 69)

A decadência das pescas: as causas

Segundo Constantino B. L. Lobo, as causas da crise da pesca eram as seguintes:

1 - A ausência de capital para um desempenho positivo da pesca, «porque qualquer pescador, que houver de ser ocupado nela na maior parte dos lugares da nossa costa, deverá de ter ao menos seis redes de pescada, e outras tantas mugigangas, ou redes sardinheiras, três mengoeiras, oito rascas, um espinhel, um barco, e quantidade de casca de salgueiro que for precisa para tingir as redes. As despesas de todos estes aparelhos são incompatíveis com a grande pobreza, em que vivem nossos pescadores» (Ibidem, pp. 271, 272).

2 - Desiquílibrio na distribuição do lucro. Estando a maioria dos pescadores descapitalizados para investirem na aquisição de embarcações e aparelhos de pesca próprios, grande parte exerciam a actividade sob arrendamento desses equipamentos, situação que deixava ao pescador reduzida margem de lucro, porque uma parte substancial do pescado destinava-se ao pagamento da renda de utilização da embarcação e/ou redes. Sobre o reduzido lucro incidiam os direitos fiscais, agravando ainda mais as condições de rendimento do pescador. «Por isso muitos pescadores andam mendigando de porta em porta no tempo de Inverno, quando não podem ir ao mar» (Ibidem, p. 272).

3 - A falta de formação especializada para um exacto conhecimento hidrográfico do fundo marinho, dos locais mais propícios à pesca, das espécies e seus movimentos migratórios, era outro dos factores concorrentes para a ruína das pescas. Na opinião de Constantino B. L. Lobo os filhos dos pescadores reuniam os requisitos para aprenderem todos os segredos da profissão. Contudo, estes preferiam emigrar ou aprender algum oficio mecânico (Ibidem, pp. 273, 274). 4 - O abuso das prerrogativas dos rendeiros dos direitos, das autoridades municipais, eclesiásticas, militares e de pessoas poderosas sobre as comunidades piscatórias. Recolha indevida de direitos, proibições de pescar durante os dias santos e domingos, recrutamento compulsivo para o exército e interdições de vária ordem, constituíam abusos e violências praticados contra os pescadores desde há muito, incentivando a emigração dos pescadores para Espanha e o Brasil (Ibidem, pp. 275 - 282).

4 - Problemas técnicos, nomeadamente a malha demasiado pequena das redes que contribuia para a captura de peixe demasiado pequeno para a salga e posterior comercialização, e a acção dos caneiros nos rios que provocava a excassez de peixe (Ibidem, pp. 283, 284).

5 - O assoreamento das barras, prejudicial à navegação das embarcações de pesca de maior tonelagem (Ibidem, pp. 287, 288).

6 - A falta de tanques de água doce junto da linha de costa para lavagem das redes (Ibidem, p. 288).

Bibliografia:

LOBO (a), Constantino Botelho de Lacerda (1991) - Memória sobre a decadência das pescarias de Portugal, in Memórias Económicas da Academia das Ciências de Lisboa, 2.º ed., Lisboa: Banco de Portugal, tomo IV, pp. 241 - 288

Idem (b), (1991) - Memória sobre algumas observações feitas no ano de 1789 relativas ao estado da pescaria da província de Entre Douro e Minho, in Memórias Económicas da Academia da Ciências de Lisboa, 2.ª ed., Lisboa: Banco de Portugal, tomo IV, pp. 289 - 314

Idem (c), (1991) - Memória sobre o estado das pescarias da costa do Algarve no ano de 1790, in Memórias Económicas da Academia das Ciências de Lisboa, 2.ª ed., Lisboa: Banco de Portugal, tomo V, pp. 69 - 102

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