Torres Vedras na Corografia Portugueza

Como vinha sendo costume na Europa desde do século XVI, também em Portugal se publicaram várias corografias. Estas obras de carácter histórico-geográfico pretendiam descrever as regiões e/ou os reinos sob o ponto de vista dos recursos naturais, demográficos, urbanísticos e organização administrativa civil e eclesiástica. Para isso faziam um levantamento mais ou menos exaustivo das actividades económicas e do número de habitantes de cada região. Eram também uma espécie de mini compêndio de história, resumindo a história das origens das cidades, santos, mosteiros, santos, igrejas, bispados, reis, famílias nobres, reis, etc... A Corografia Portugueza da autoria do padre matemático António Carvalho da Costa (1650 - 1715) é uma das mais conhecidas em Portugal. Publicada em três volumes entre 1706 e 1712, foi durante o século XVIII uma referência no meio académico e administrativo português, sendo uma fonte de informação para outras obras do género editadas na mesma centúria.
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Fotografia de Torres Vedras, provavelmente do início do século XX
(fonte: Torres Cultural, n.º 7 (1996), imagem na contra capa)
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Torres Vedras, sede de Comarca à época, foi descrita pelo padre António Carvalho da Costa na Corografia Portuguesa da seguinte forma:
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«Da descripção desta Villa [Torres Vedras]*
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No Arcebispado de Lisboa, sete legoas desta cidade para o norte, e cinco ao nascente da villa de Peniche, em lugar bayxo, que cercão cinco montes, tem seu assento esta nobre villa, a que os Godos, e Suevos chamarão antigamente Turres veteres (para differença da villa de Torres Novas) que he o mesmo que Torres Velhas, de que ainda hoje existe huma para a parte do castello, de que he alcayde mór Luis Gonçalves Coutinho da Camera. Foy fundada pelos Turdulos, Gallos e Celtas trinta e oyto annos antes de Christo, como diz Garibay liv. 5 cap. 10. El-Rey D. Affonso Henriquez a conquistou aos Mouros pelos annos de 1148 e por ficar toda arruinada, a mandou povoar de novo com grandes fóros, e privilegios: foy algum tempo dote das Rainhas, e em particular da Rainha Santa Isabel, que teve mais terras da Coroa que as outras Rainhas deste reyno; foy tambem cabeça de condado, cujo titulo deo El-Rey D. Felippe o quarto a D. João Soares de Alarcão; tem voto, e assento em Cortes no banco setimo, e aqui as celebrou El-Rey D. João o terceyro no anno de 1525.
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Foy esta villa antigamente cercada de muros com tres portas, que ainda existem, a saber, a porta de S. Anna, a da Varzea e a Corredoura. Pela parte do norte a cerca o rio Sizandro muy celebrado dos poetas Lusitanos, e nomeado nas chronicas deste reyno: tem cinco pontes pelas quaes se serve, a saber, a de S. Miguel, ao pè da qual está hum fermoso chafaris, a ponte da Mentira, a ponte de Rey, a do Alpilhão, a de N. Senhora do Ameal, e hum quarto de legoa distante da villa está outra ponte, que chamão da Madeyra. Tem huma fermosa fonte, que chamão dos Canos, obra regia, e antiga, e à entrada da villa está hum bom chafaris, cuja agua lhe vem da fonte nova. Tem mais huma grande, e fermosa casa terrea, que chamão do Relego, aonde o Marquez de Alegrete recolhe os vinhos dos quartos e oytavos, que lhe pagão, e dentro della está huma pia na parede, levantada do chão quasi huma vara, que sempre tem agua na mesma quantidade, e vazando-a, torna logo ao mesmo estado, e em distancia de vinte pès em outra logea está hum poço, que tem a boca na superfície da terra, o qual todos os annos se alaga com a chea; e tanto, que pela porta da mesma logea começa a entrar agua barrenta da chea, logo o dito poço começa a bramir, e quanto mais agua se vay chegando a elle, tanto mais levanta os bramidos, e misturandose huma agua com outra, os dá mais levantados, e tanto, que a chea vaza, fica a agua do dito poço muyto clara.**»
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Notas:
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* Na transcrição do texto regularizaram-se algumas maiúsculas e substituiu-se o & por e.
** Continua no post seguinte com a descrição das igrejas e paróquias de Torres Vedras.
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Bibliografia:
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COSTA, António Carvalho da - Corografia Portugueza. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001, (Ophir - Biblioteca Virtual dos Descobrimentos Portugueses; 4) [cd-room]

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