O 25 de Julho de 1833 em Torres Vedras

A guerra civil entre absolutistas e liberais entrara numa fase crítica. O Duque da Terceira à frente de uma pequena força de 1200 soldados consegue bater as superiores tropas miguelistas, cerca de 3000 homens, comandadas pelo general Teles Jordão no combate de Caçilhas a 23 de Julho de 1833. Para o exército liberal o único obstáculo à conquista de Lisboa era o Tejo. O pânico instala-se na capital e começam a fugir para fora da cidade as primeiras pessoas. Outros porém rejubilam pois consideram próxima a libertação da capital do reino. Estes não tiveram de esperar muito. Às 4 da tarde do dia seguinte, 24 de Julho, Lisboa era ocupada pelo exército do Duque da Terceira. Não houve da parte das autoridade militares absolutistas qualquer tentativa de resistência. Inexplicavelmente a tropa optou pela debandada geral. A população civil mais ou menos comprometida com o regime miguelista sentindo-se desprotegida escolhe igualmente a fuga.
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Capa da 1.ª edição das memórias manuscritas de Francisco de Paula Ferreira da Costa, adquiridas em leilão pela Biblioteca Nacional em 1982.
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Francisco de Paula Ferreira da Costa (1788 - 1859), escriturário da Inspecção dos Quartéis e Obras Militares e da Junta da Bula de Cruzada, partidário do regime de D. Miguel, julgou ser conveniente sair de Lisboa para evitar eventuais retaliações dos liberais lisboetas, e conta-nos nas suas memórias as peripécias da viagem. Com o seu filho mais velho integra-se na grande massa de refugiados que ao longo do dia 24 de Julho parte em direcção ao norte. Na viagem juntou-se ao Arcebispo de Évora*, acompanhado de um capelão e um criado. Chegaram a Enxara do Bispo onde encontraram o Estado Maior do Exército. Usemos as palavras do autor para o resto do relato da sua viagem e estadia em Torres Vedras:
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«Descansando pouco tempo na Enxara, onde esta noite ficou a força principal do Exército, continuámos a caminhar para Torres, para evitar o incómodo do grande concurso que nos privava de achar pousada e comer. [...].
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Quando a ela chegámos, já bem de noite, dirigimo-nos à Estalagem, onde apenas encontrámos um único quarto liberto, o qual serviu depois ao Capelão e eu , vendo a indecisão do Arcebispo, perguntando onde residia o Corregedor, me dirigi a ele e lhe exigi um decente quarto para Sua Ex.ª, representando-lhe que pela sua consideração e Empregos (iguais aos de Ministros de Estado, por ter parte com estes nos Conselhos d'el-Rei, e até despachar só com o Soberano nos negócios de sua Repartição) exigia uma acomodação melhor que a de uma estalagem. Este Magistrado [...] acompanhou S. Ex.ª à casa de um seu vizinho, rico proprietário na mesma Vila, Cavaleiro da Ordem de Cristo, onde ficou bem aquartelado [...]. Nesta noite ainda dormi com meu filho sobre um colchão que me estenderam no chão [...] O Capelão [...] foi dormir de alto, no quarto que se tinha arranjado e até na segunda noite, quando a estalegem se encheu de mulheres delicadas e em extremo estropiadas por virem a pé, não teve a delicadeza de lhes ceder a cama nem o quarto, ficando elas embrulhadas em seus capotes, deitadas pelo chão.
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Dia 25 de Julho
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Depois de ouvirmos missa e vermos chegar todas as tropas que saíram de Lisboa e seus arredores e que nesta Vila excederam a doze mil homens, vimos distribuir-lhes algum pão, carne, vinho e seguiu-se depois do meio-dia, uma revista passada por Gaspar Teixeira de Magalhães**, em que o Duque*** se dignou tomar o comando na retirada. Estes dois figurões, o Brigadeiro Comandante da Polícia, Joaquim José Maria**** e outros, estiveram por vezes no risco de serem assassinados pela tropa desde a Cabeça de Mont'Achique, a qual cheia de rancor e desespero pelos obrigarem a desamparar Lisboa, suas casas, famílias, e até as mesmas bagagens e mochilas, como em fugida, sem se ver de quê, lançava contra tais comandantes mil injúrias e impropérios. [...].
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Nesta mesma manhã, um inadvertido Liberal, mercador na praça desta Vila, teve a fra[n]queza de dizer algumas palavras imprudentes, seguindo-se em resultado ver dentro de duas horas, saqueada tanto a Loja como os andares da casa em que morava e destruída de tal sorte que nem portas, janelas, ou balcões lhe deixaram, custando a evitar que os soldados enfurecidos deixassem de lançar fogo à casa, sumindo-se o inconsiderado dono. [...].
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Durante o dia foram chegando imensas famílias e particularmente tudo quanto pertencia à Casa Real, indo a pé homens e mulheres pela maior parte. Tanto aqui como nas outras terras até Coimbra, o Exército e particularmente os Estados Maiores exigiam quase violentamente quantos carros e cavalgaduras se podiam encontrar e este funesto exemplo, com a falta de respeito e desunião em que o Exército marchava, movia os soldados a fazerem pior, tirando à força tudo quanto precisavam, particularmente o alimento e como este se esgotava de todo, a necessidade obrigava a lançar mão dos frutos verdes e ervas do campo o que junto à epidemia da cólera morbus, que então estava no seu auge, fez que a morte colhesse alguns centos de soldados, particularmente dos Corpos de Lisboa, menos acostumados a tais fadigas e privações
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Torres Vedras sentiu pela primeira vez, a 25 de Julho de 1833, as agruras da guerra civil entre liberais e absolutistas, não como teatro de guerra mas como local de refúgio e passagem dos militares e civis em fuga. Grupos de pessoas vão chegando à vila. De repente faltaram os alojamentos, a presença de 12 mil soldados provocou a excassez de alimentos. Os torrenses sofrem com as exigências do exército. À crise de alimentos junta-se a epidemia da cólera-morbus. Além disso, os ânimos andavam exaltados. Os soldados, prejudicados e sem compreenderem a ordem de retirada, quase se revoltaram contra o Estado Maior do Exército. Enfim, o 25 de Julho de 1833 foi um dia difícil.
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Notas:
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* D. Frei Fortunado de S. Boaventura (1778-1844), da Ordem de Cister. Em 1831 foi nomeado Reformador Geral dos Estudos e apresentado à Santa Sé como Arcebispo de Évora com confirmação papal no ano seguinte. Depois da Convenção de Évora Monte (1834), que pôs término à guerra, acompanhou D. Miguel no exílio em Roma até morrer.
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** Gaspar Teixeira de Magalhães (1763-1838), 1.º Visconde de Peso da Régua, foi Marechal de Campo em 1815 e Tenente General em 1826. Comandou as tropas miguelistas no cerco do Porto e por fim foi Governador Militar da Estremadura. Rendeu-se antes do fim da guerra.
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*** D. Nuno Caetano Álvares Pereira de Melo (1799-1837), 6.º Duque do Cadaval, tinha sido Ministro da Marinha e do Ultramar, era na altura Ministro Assistente ao Despacho e Comandante Militar de Lisboa. Morreu no exílio em Paris.
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**** Joaquim José Maria de Sousa Tavares, Coronel, comandante da Guarda Real da Polícia de Lisboa, cargo em que se salientou através de grandes repressões desde 23 de Dezembro de 1826. Depois da guerra exilou-se com outros destacados miguelistas em Inglaterra.
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Bibliografia:
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COSTA, Francisco da Paula Ferreira da - Memórias de um Miguelista (1833-1834), pref., transcrição, actualização ortográfica e notas de João Palma-Ferreira. Lisboa: Editorial Presença, 1982, pp. 24, 26-33

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