A 10 de Outubro de 1812 a Câmara Municipal de Torres Vedras recebe do Secretário de Estado da Guerra, D. Miguel Pereira Forjaz, ordem para proceder à reparação de várias vias públicas da vila [1]. As obras seriam orientadas pelo engenheiro militar D. Lourenço Homem da Cunha de Eça, que na reunião de câmara de 14 de Outubro definiu com a edilidade torriense o modo de realizar as reparações:
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«E na mesma Vereação nomeou a dita camara a Jozé Antonio Cordeiro desta villa para receber os dinheiros que os individos nomeados hora darem os seus dias nas obras o não podessem fazer, e a pagassem a quem em seu logar trabalhassem a qual deveria fazer seus pagamentos por bilhetes rubricados com a firma do Sargento Mor Inginheiro Lourenço Homem Cunha Essa e a sua receita serà lançada em hum livro que se deverà deixar para esse fim e o escrivão da camara lavrarà as competentes cargas.
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E na mesma Vereação ordenarão que visto ser indispençavel estar hum Juiz de Vintena semanalmente às ordens do ditto Sargento Mor Inginheiro lhe arbitravão [...] o mesmo que ganha hum jornaleiro trabalhador.»[2]*.
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A mão-de-obra empregue no concerto das vias públicas estava previamente seleccionada. Cada morador da zona abrangida era obrigado a prestar um determinado número de dias de trabalho gratuito no arranjo das estradas e calçadas. Os que não estavam em condições ou não queriam cumprir esta exigência tinham a possibilidade de pagar alguém que os substituísse. Assistiria ao Major Engenheiro um Juiz de Vintena, ** certamente o elo de ligação entre o comando das operações e os trabalhadores.
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Torres Vedras vista do norte. Ao centro, entre duas colinas, situa-se o castelo, com um aspecto ruinoso. No cume da colina da esquerda é visivel uma pequena proeminência. Trata-se do Forte da Forca. No lado inverso, por detrás da àrvore em 1.º plano vê-se o forte de S. Vicente. Aquatinta inglesa de 1818 no Museu Municipal Leonel Trindade. (Fonte: As Linhas de Torres Vedras: as três primeiras linhas e as fortificações ao sul do Tejo. Torres Vedras, Câmara Municipal de Torres Vedras, 2001, p. 50)
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No livro de Acórdãos das sessões de câmara não são mencionadas quais as vias públicas objecto de reparo, mas D. Lourenco de Eça propõe à Câmara o arranjo da ponte do Alpilhão.
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« […] E na mesma vereação foi porposto pello mesmo Manjor Inginheiro a nececidade que havia do conserto da estrada da ponte do Alpilhão a qual deve ter comonicação com a fortificação do castelo e outras [***], e sendo ponderados varios arbitrios para a factura da mesma obra asentarão que hum dos primeiros objectos mais necessarios hera a cal, e que se devia lançar mão do meio mais facil pára a conseguir pello presso mais comodo para o que chamarão à sua presença Vicente Luis das Paradas e se convencionarão a comprar-lhe toda a cal necessaria pello preço de oito sentos reis cada moio em moeda metálica, e que a condoção della seria feita com igual distribuição pellos lavradores das Vintenas da Dosconhados, Povua, e Maceira, e que a respeito dos operarios necessarios depois de aprezentadas as relaçoens percizas se praticaria o mesmo que se havia praticado em outras obras em que o mesmo Manjor Inginheiro tinha sido inspetor. E os mesmos officiais da camara encarregarão o primeiro vereador para o detalhe da gente que semanalmente lhe fosse perciza para a ditta obra, o que lhe havia ser requerido pello mesmo Manjor Inginheiro, e Inspector o qual detalhe seria feito sem exceção de pessoa ou classe. [...].
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E assentarão igualmente que para ser menor incomodo e pezada esta obra aos moradores pobres do termo se deveria vagar a algumas pessoas abonadas que volontariamente quizessem concorrer pecuniariamente para esta obra, e de qualquer receita que daqui pervenhão se deverá lançar em livro já para este fim criado.» [3].
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Pareçe que a reparação da ponte do Alpilhão, travessia da ribeira da Conquinha, a poente de Torres Vedras, não estava inicialmente prevista no conjunto de vias públicas a reparar, constantes na ordem da Secretaria de Estado da Guerra. Só foi proposta na reunião de Câmara de 29 de Maio de 1813, ou seja, sete meses depois de estar acordado o sistema de trabalho da campanha de obras. O Major D. Lourenco Homem da Cunha de Eça, como engenheiro militar, deve ter percebido a utilidade de construir uma ligação directa entre a ponte do Alpilhão e o castelo. O castelo constituia um dos pontos mais importantes da 3ª linha defensiva (Linhas de Torres Vedras), pois defendia a vila e a estrada real para Lisboa de eventuais ataques do exército francês vindos do norte. D. Lourenço de Eça pretendia ligá-lo à ponte do Alpinlhão, que conduzia ao Varatojo, onde existia uma bateria fechada, também um outro ponto fortificado da 3.ª linha defensiva. Tornar estes dois pontos fortificados intercomunicantes visando o reforço da capacidade defensiva de Torres Vedras talvez fosse o objectivo do Major Engenheiro. Um outro objectivo, seria porventura criar melhores acessibilidades à zona alta da vila, e consequentemente ao castelo, a partir de uma entrada a poente. A comunicação da ponte do Alpilhão com o castelo dispensava a necessidade de contorno e atravessamento do aglomerado urbano (a partir do sul pela porta da Várzea e de St.ª Ana) para acesso ao sector fortificado da vila, diminuindo assim a distância a quem vinha do lado poente do concelho e do lado norte, vindo da ponte de S. Miguel.
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Não houve da parte da Câmara Municipal qualquer resistência à proposta de D. Lourenço de Eça, não obstante a alteração do plano de obras implicasse um acréscimo de custos materiais e financeiros aos inicialmente previstos e afectados desde Outubro de 1812. Os Vereadores, na sessão de vereação de 5 de Junho de 1813 «Por acordão passarão a mandar algumas cartas a varias pessoas abonadas desta villa para gratuitamente concorrerem para as obras publicas, que se mandarão fazer por ordem regia» [4]. E na reunião de Câmara de 4 de Agosto «nomearão para recebedor do dinheiro da ponte do Alpilhão a Bartholomeu Gomes com loga de merciaria desta villa, e que seja notheficadó o recebedor escuzado Joze Anthonio Cordeiro para hir a primeira camara dar as suas contas da receita e despeza pertencentes as obras publicas.» [5]. As obras deveriam ter terminado pouco tempo depois. A Câmara, em reunião de 2 de Outubro «detriminou se escrevece huma carta de officio ao Ilustríssimo Lourenço Homem de agradecimento a respeito da obra publica.» [6].
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Notas:
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* Manteve-se a grafia original do documento
** Juiz de Vintena era a pessoa nomeada pela Câmara responsável pela recolha dos impostos. Pela natureza do cargo estava bem familiarizado com os trabalhadores das obras.
*** O negrito é nosso
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Fontes:
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[1] AMTV - Livro de Acórdãos (1812 – 1817), fol. 4 v., 5
[2] AMTV - Livro de Acórdãos (1812 – 1817), fol. 6, 6v.
[3] AMTV - Livro de Acórdãos (1812 - 1817), fol. 13v. - 14v.
[4] AMTV - Livro de Acórdãos (1812 - 1817), fol. 15 v.
[5] AMTV - Livro de Acórdãos (1812 - 1817), fol. 20 v.
[6] AMTV - Livro de Acórdãos (1812 - 1817), fol. 31 v.
2 comentários:
Caro Rui,
venho encontrar aqui importantes elementos da história torreense que me interessa também!
Com mais tempo voltarei para prestar atenção aos pormenores.
Também nos encontraremos no blog LINHAS DE TORRES...
Interessantes posts, gostei de ler um blog temático com profundidade e seriedade de conteúdos. Repetirei a visita. Fazem falta conteúdos bem fundamentados. Parabéns por este projecto, colega de história.
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