A presença dos frades franciscanos em Torres Vedras poderá ser mais antiga do que se pensava. A primeira referência a uma casa franciscana em território torriense é mencionada na Chronica XXIV Ministrorum Generalium Fratrum Minorum (Crónica dos XXIV Ministros Gerais dos Frades Menores) de Fr. Arnaldo de Serrano, texto latino apurado à base do códice n.º 309 da Biblioteca Comunal de Assis do final do século XIII e contemporâneamente editado pelos franciscanos de Quaracchi - Florença em 1897 com o título Analecta Franciscana.
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O texto original foi parcialmente traduzido em Portugal no convento de Santo António da Castanheira em 1470. O documento encontra-se actualmente na Biblioteca Nacional com o n.º 94 dos códices iluminados, tendo sido editado pelo filólogo José Joaquim Nunes em 1918 com o título Crónica da Ordem dos Frades Menores (1209 - 1285). Esta tradução parcial da Crónica dos XXIV Ministros Gerais dos Frades Menores menciona a história de um frade que estando às portas da morte teve uma visão de Cristo a dar-lhe a graça de ser reçebido no céu, apesar de sua vergonha em confessar um pecado. Ora o frade, segundo a Crónica, «jaz emterrado em no moesteiro pequeno de Torres Vedras».
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Uma outra tradução da Crónica foi redigida no eremitério de Santa Catarina de Alenquer e descreve o mesmo episódio do frade, declarando que «jaz enterrado no moesteiro piqueno de Torres Vedras no reino de Portugal». A José Joaquim Nunes, pareceu-lhe ser esta tradução do final do século XIV pelo carácter arcaico da linguagem. A Crónica situa este acontecimento no ministério do Ministro Geral S. Boaventura (1257 -1274).
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Com o passar do tempo a credibilidade da existência de um pequeno mosteiro franciscano em Torres Vedras antes de 1274 foi-se diluindo no esquecimento, ao ponto de alguns cronistas franciscanos dos séculos XVI a XVIII duvidarem ou menosprezarem esse dado.
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Porém dois documentos lançam uma nova luz sobre a existência do mosteiro pequeno de S. Francisco em Torres Vedras. O padre António Domingues de Sousa Costa, doutorado em Direito Canónico na Pontifícia Universidade Antoniana de Roma e nela docente desde 1954, publica na obra Monumenta Portugaliae Vaticana todas as Súplicas de portugueses dirigidas à Santa Sé, trancritas directamente de Regesta Supplicum do Arquivo do Vaticano. No 1.º volume (1968) registam-se as seguintes duas Súplicas:
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«Súplica do arcebispo de Braga D. Guilherme de la Garde ao papa Clemente VI, em Avinhão, a 11 de Fevereiro de 1352:
Digne-se Vossa Santidade prover mestre Estêvão de Pradinhac, bacharel em Medicina, Cónego de Lisboa, nos prestimónios da Igreja de Santo Estêvão de Alenquer e no chamado mosteiro de São Francisco de Torres Vedras nesse dito lugar, diocese de Lisboa, vagantes por morte de Jacobo Gaitano quer vaguem por direito devolutivo quer por qualquer outro modo [...] Concedido R[ogério, sobrenome de Clemente VI antes de ser papa, com o qual despachava as súplicas] R. Dado em Avinhão, a 11 de Fevereiro de 1352».
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A outra Súplica é de Gerardo Esteves, embaixador de D. Pedro I na Cúria Romana, ao papa Urbano V, em Avinhão a 18 de Julho de 1366:
«Expõe a Vossa Santidade vosso devoto e humilde servidor Gerardo Esteves, embaixador do príncipe Pedro, rei de Portugal e do Algarve, que na vila de Torres Vedras, diocese de Lisboa, houve e há um edifício que o vulgo chama o mosteiro velho de S. Francisco, e comummente se afirma ter sido mosteiro da Ordem do dito Santo, mas não se conserva memória de como e quando se arruinou e acabou, e que no dito lugar e ao redor estão umas possessões chamadas possessões do mosteiro velho, possuidas e ocupadas de facto ora por um ora por outro até ao tempo dos últimos bispos de Lisboa D. Teobaldo e D. Lourenço que por seu alvedrio as entregaram a servidores seus. Os rendimentos delas não vão além de 30 florins de oiro de Florença. [O restante texto da Súplica consiste em pedir ao papa que as possessões do mosteiro e direitos relativos fossem atribuidos a Gerardo Esteves e herdeiros.] B [costumada assinatura de Urbano V no seu despacho das Súplicas]. Dado em Avinhão a 18 de Julho de 1366.»
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O papa Urbano V não deferiu o pedido do embaixador português e ordenou que se nomeasse pessoa idónea para dar destino às terras do abandonado mosteiro franciscano. As propriedades, situadas na várzea junto à vila e contíguas à estrada para o Varatojo, passaram para a posse da Colegiada de S. Tiago de Torres Vedras, sobrevivendo apenas na micro-toponímia local a sua memória através da designação de Terra de S. Francisco às terrenos pertencentes ao extinto mosteiro franciscano.
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Extraem-se alguns dados seguros sobre a presença franciscana em Torres Vedras de acordo com os documentos publicados pelo P. António Domingues de Sousa Costa. O mosteiro pequeno de S. Francisco já estavam edificado e ocupado durante o ministério do Ministro Geral da Ordem Franciscana S. Boaventura (1257 -1274) pois foi durante o seu mandato que ocorreu o episódio da revelação de Cristo ao frade enfermo, sepultado no dito mosteiro. São no entanto desconhecidas a data e a circunstância em que tal comunidade religiosa foi fundada. Assim sendo, a Ordem de S. Francisco é a primeira instituição religiosa regular a estabelecer-se em Torres Vedras. Aquando da Súplica de Gerardo Esteves em 1366 o mosteiro já estava abandonado.
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Quais os factores que conduziram ao fim do mosteiro pequeno de S. Francisco ? A Peste Negra de 1348? As frequentes inundações na àrea de confluência da ribeira do Alpilhão com o rio Sizandro, local onde se situava o pequeno eremitério franciscano, tornando impraticável ali qualquer vivência?
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Bibliografia:
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LOPES, F. Félix - O «Mosteiro Pequeno» de S. Francisco junto a Torres Vedras in Itinerarium (Jan. 1986)
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