A Biblioteca Universal

Na obra Lisboa no ano três mil, editada em 1892, Cândido de Figueiredo imaginou o mundo no ano 3000. Nesse futuro longínquo de 11 séculos, a Austrália seria uma das super-potências mundiais, dominando o continente africano e americano, juntamente com o império russo, senhor de toda a Europa e Àsia. Porém, era na Austrália onde se situava o progresso económico, social, político e cultural. Viajando através de uma hipnose fictícia, Cândido de Figueiredo "observou" algo que lhe impressionou o espírito:
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«O que mais vivamente me atraiu a vista e a atenção foi um imenso farol eléctrico, tão alto, e tão mosntruosamente grande, que do centro da Austrália iluminava todas as costas do continente! Falta só dizer que esse farol era apenas o zimbório do mais majestoso e extraordinário edifício de toda a Austrália - a Biblioteca Universal.
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Exteriormente, a Biblioteca era um imenso palácio de coral, de forma quadrangular, com dois quilómetros de diâmetro, e cem portas, rasgadas em toda a altura do edifício e constantemente abertas. Os intervalos das portas compreendiam interiormente a biblioteca propriamente dita. Mas os livros propriamente ditos, não os havia: eram enormes rolos de papel, dispostos e empilhados, como nos nossos estabelecimentos de papel para forrar casas.
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Cada um destes rolos tinha um número de ordem, correspondente ao número que cada obra tinha no catálogo. Catálogo é uma maneira de dizer. Lá não havia catálogos como os nossos: em cada repartimento, isto é, em cada intervalo das portas, estendia-se, em toda a altura, um grande listão de metal branco, exibindo, em grandes letras douradas, os números e os títulos das obras contidas no respectivo repartimento.
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Não obstante a aparente justaposição dos rolos, qualquer deles podia sair dos seus lugares, sem se alterar a posição dos demais. O visitante, ou o estudioso, consultava o listão-catálogo, e, tocando no botão de um aparelho eléctrico, fazia descer a obra que procurava: o rolo pousava numa grande mesa, onde se desenrolava, depressa ou devagar, segundo a pressão que o leitor exercesse no botão do aparelho. O aparelho estava em comunicação com uma lâmina metálica, à volta da qual se enrolava a obra, e com outra lâmina que correspondia à margem oposta.
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Como é natural, entre as duas margens mediava maior ou menor extensão, segundo as dimensões da obra. Havia obra que daria um quilómetro: mas, ao ler-se, a lâmina exterior ia dobrando sobre si a parte lida; e, quando se chegava ao fim da primeira página, a lâmina interior, que então se descobria, realizava a operação da outra lâmina, para que se lesse a segunda e última página.
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Nem escadas, nem contínuos, nem cadeiras. Lia-se, escrevia-se de pé, a toda a altura do peito, porque a ciência e a higiene assim o prescreviam.
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Em vez do contínuo, e junto de cada repartimento, permanecia um sábio, que tinha o encargo de explicar, durante duas horas em cada dia, as doutrinas científicas, artísticas ou literárias, contidas nas obras que lhe estavam ao lado.
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Os sábios da biblioteca constituíam o corpo universitário; e, pelas naves do edifício, agrupavam-se os mais engenhosos maquinismos, maravilhas práticas da indústria, das ciências e das artes, poderosos auxiliares do ensino universitário. [...].
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Todas as obras da biblioteca, originais umas e traduzidas outras, estavam escritas no idioma universal, o volapuque, que todos podiam ler e entender. Procurei o listão-catálogo, que tinha por título geral Viagens, e tive tentações de ler o n.º 98.765, porque eram as DIGRESSÕES NO EXTREMO OCIDENTE, pelo sábio Terramarique.»
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Bibliografia:
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FIGUEIREDO, Cândido de (2003, 2.ª ed) - Lisboa no ano três mil, Lisboa: Frenesi, pp. 12 -14

1 comentário:

lena b disse...

Curiosa, esta projecção do passado no futuro...
Não conhecia este livro, mas fiquei com vontade de o ler.

Parabéns por este cantinho tão bem recheado de informação útil. Descobri-o através do blog do Venerando e vai já para a lista dos "Favoritos". ;)

Lena