Viajar no sul de Portugal antes de 1889

A linha ferroviária entre Lisboa e Faro entrou em actividade a partir de 1889. Até essa data viajar de Lisboa para Faro (e vice-versa) não era fácil nem cómodo. Manuel Teixeira Gomes (1860 - 1941) conta em breves linhas, no livro Gente Singular, a demora e desconforto do viajante vindo do norte em direcção ao sul: 

« [...] pus-me a caminho de Faro.
Duríssima travessia!
A linha férrea mal chegava a Beja, onde se tomava a dolorosa diligência de Mértola que, por seu turno, transbordava os viajantes num vaporzinho  manhoso sobre o qual se descia o Guadiana até à foz, e dali, na pombalina Vila Real de Santo António, outra diligência nos joeirava os já desconjuntados ossos pelo decurso das muitas horas necessárias a alcançar Faro.
Os percevejos de Mértola - e um quadro a missanga, principal ornamento da sua estalagem , representando um cãozinho de água levando na boca um cesto de cerejas, ilustrado  pela seguinte  legenda:

De meu tio o senhor José,
Certamente sou sobrinha,
Eu, Maria, e peço que
Sim me aceite esta avezinha.

-, o calor que dos xistos marginais do Guadiana se reflectia por catódicas labaredas no vaporzinho, convertendo-o em frigideira dos passageiros, e as sufocantes nuvens de ardente poeira da estrada algarvia são as mais claras recordações que me ficaram de tão calamitosa jornada.
Cheguei a Faro de noite [...].»

3 comentários:

CAROLVS II, HISPANIARVM ET INDIARVM REX disse...

Hola, acabo de iniciar a seguir su blog que me parece realmente interesante. Lo siento por no poder escribir en portugués.

Espero que puedas disfrutar también del mio dedicado al reinado de Carlos II de España y en el que actualmente me encuentro tratando de la Guerra de Restauraçao Portuguesa.

Saludos.

Ivana Matos Pinheiro Tavares disse...

Nossa!! Adorei o novo visual do blog . Tá demais!!!!

Edgar disse...

Caro Rui Prudêncio,

Essas palavras de Manuel Teixeira Gomes fazem-me recordar uma viagem que o pintor Henrique Pousão fez em 1884, entre Olhão e Vila Viçosa. Qualquer um que se aventurasse a fazer semelhante viagem tinha que ir de Olhão a Vila Real de Santo António em diligência, apanhar aí o barco até Mértola, daí partir em diligência para Beja, onde se apanhava o comboio para a Casa Branca, para aí trocar de linha em direcção a Évora, para aí se apear e tomar uma nova diligência que o fizesse chegar, finalmente, a Vila Viçosa!
Com um percurso deste tipo (que levava uns dois dias, salvo erro), não é para admirar que o homem, que já estava enfermo (com tuberculose), morresse poucos dias depois de chegar a Vila Viçosa...

Se tiver interesse pode consultar mais pormenores desta viagem na seguinte obra (não lhe posso adiantar as páginas pois não possuo o livro comigo):

- Francisco Fernandes Lopes (org.), "Cartas de Henrique Pousão (e excertos de outras cartas e escritos que se lhe referem)", Lisboa, Portugália Ed., 1959.