O projecto naval do conde de Castelo Melhor

Pelo tratado militar e comercial de 1661 com a Inglaterra e o tratado de paz de 1663 com as Províncias Unidas, estabelecidos no âmbito da política de alianças militares da Guerra da Restauração, Portugal permitia a liberdade de navegação nos seus domínios ultramarinos aos súbditos destas duas potências, legalizando uma situação que antes de 1640 era considerada beligerante. Alterava-se deste modo o paradigma de navegação no Atlântico Sul, que de monopólio passa a concorrencial com as marinhas mercantes dos aliados. Estas, mais numerosas, ponham em causa o domínio português do Atlântico Sul. Por outro lado, o acesso directo, na origem, aos produtos coloniais brasileiros (açucar, madeiras tropicais, tabaco), por parte dos mercadores ingleses e holandeses, sobretudo os da Companhia Holandesa das Indias Ocidentais, retirava a Portugal o papel de grande centro abastecedor dos mercados do nordeste europeu com duras repercussões para as receitas do tesouro régio.
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Reconhecendo o grave prejuízo económico desta situação, D. Luís de Vasconcellos e Souza, 3º conde de Castelo Melhor, ministro de D. Afonso VI, gizou um plano destinado a eliminar a navegação estrangeira e assegurar a hegemonia da marinha mercante portuguesa no transporte marítimo de e para o Brasil. O plano está expresso em dois pareceres enviados ao rei, de 15 e 24 de Agosto de 1664, onde explica todo o processo de execução (Souza, 2001, p. 189-201).
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D. Luís de Vasconcellos e Souza (1636-1720), 3º Conde de Castelo Melhor, Escrivão da Puridade de D. Afonso VI entre 1661 e 1667. Fonte: ( SOUZA, 2001)
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O afastamento da presença marítima inglesa e holandesa da costa brasileira dependeria da evolução dos preços no sentido do custo mais barato dos produtos aos mercadores holandeses e ingleses em Lisboa do que nos portos brasileiros. Só seria possível tornar os preços mais competitivos mediante um stock permanente em quantidades suficientes que viabilizassem uma baixa de preços. O preço do açucar carregado em Lisboa teria de ser competitivo a ponto de não justificar economicamente a viagem dos concorrentes ao local de produção, declarando Castelo Melhor «Se Portugal trouxer assim tanto açucar, que em todo o tempo os navios estrangeiros tenham carga que levar em retôrno da que trouxeram, tenho por certo que não buscarão em nenhuma outra parte. Regularmente podemos pôr no preço o açucar de Inglaterra com o nosso. [...] Deixo de falar em que, quando haja muito açucar, valerá menos o nosso do que o seu e ser esta uma das principais razões para arruinar o tráfego desta droga nas suas terras. [...] Digo que nesta droga, vindo-a buscar a Portugal, ganham 30 por 100.» (Souza, 2001, p. 196). A existência de um stock ineterrupto implicava um regular afluxo de produtos do Brasil. Por conseguinte, era de extrema importância a vinda atempada das frotas, sem atrasos, de forma a assegurar uma eficaz capacidade de resposta da metrópole às exigências do mercado europeu. Se os negociantes ingleses e holandeses encontrassem o porto de Lisboa em ruptura de stock devido à demora da frota, mantinham-se os motivos da sua navegação para o Brasil.
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Sendo a regular chegada das frotas mercantes um factor chave, a implementação do plano assentava num único eixo: a reforma da Companhia Geral do Comércio do Brasil (CGCB), entidade dominadora da navegação mercante para o Brasil. Esta companhia instituida em 1649, à semelhança das companhias de comércio holandesas, tinha por finalidade a segurança do transporte marítimo que a coroa em extremas dificuldades financeiras era incapaz de garantir. Para isso a CGCB estipulou com o rei D. João IV o enviou de duas frotas anuais de 18 embarcações de guerra armadas com 20 a 30 canhões. Em contrapartida foil-lhe concedido o monopólio do comércio do vinho, azeite, cereais e bacalhau para o Brasil, o privilégio de poder estabelecer uma taxa sobre todos os fardos de açucar, tabaco, algodão, peles transportados e o monopólio da exportação das madeiras tropicais (Monteiro, 2003). Não obstante os privilégios comerciais e fiscais, o investimento privado de 1.200.000 cruzados foi insuficiente para manter o compromisso de duas frotas anuais. Resultante desta incapacidade financeira a CGCB apenas enviou uma frota, posteriormente reduzida a 10 embarcações e na regência de D. Catarina ficou reduzida a 7 unidades. A frota da CGCB chegava frequentemente atrasada, provocando longos períodos de carência de produtos, circunstância que fazia perigar toda a navegação portuguesa nos mares do sul . Escreve Castelo Melhor: «Parece-me que nos havemos de valer da proposta da companhia em que sejam duas as frotas que todos os anos vão para aquele estado, e venham dele. Com isto se evitarão aos homens as demoras que fazem, porque os que não alcançarem uma frota lhe fica muito fácil esperar para a outra, e dois mêses de detença arruinarão menos. Indo duas frotas cada ano, se evitará o poderem os estrangeiros navegar para as conquistas (Souza, 2001, p. 197).
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Enquanto a CGCB não garantisse a navegação normalizada, respondendo em pleno às exigências de consumo do holandeses e ingleses a preços competitivos, estes teriam motivo para se abastecerem no Brasil. Perante a situação financeira da CGCB, impossibilitadora do envio de duas frotas anuais, ou seja, impossibilitadora do cumprimento do contrato estabelecido com o Rei, Castelo Melhor recomendava a integração da empresa na administração da coroa, sendo os investidores da empresa recompensados pela transferência dos seus interesses para rendimentos da coroa mais seguros e garantidos como era o contrato do tabaco (Ibid., 2001, p. 193). Caso os proprietários da CGCB não aceitassem a integração na administração real, o ministro aconselhava D. Afonso VI a obrigá-los a indemenizar a coroa por todas as embarcações não enviadas, ou em alternativa, obrigar ao pagamento de uma parte das das compensações financeiras a ceder aos holandeses pelo tratado de paz de 1663, que tornava menos perigoça a navegação, logo não obrigava a tantos gastos de defesa das frotas a que estavam obrigados por contrato (Ibid., 2001, p. 190). Os investidores não tiveram outra opção senão aceitarem a proposta de Castelo Melhor.
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Concretizado o processo de "nacionalização" da empresa, haveria lugar à reorganização da navegação e das frotas. Relativamente ao modelo de navegação, Castelo Melhor reconhecia as vantagens navegação livre, sem monopólios privados, para o desincetivo da navegação estrangeira e para a melhoria das receitas do reino. Diz «É conveniente que se navegue mais livremente e que não sejam os estrangeiros quem façam esta nevegação.
De se navegar mais livremente resultará o virem mais drogas e, quando não venham mais, sempre virão a melhor tempo, porque o vir muito açucar junto faz ordinàriamente que não seja tão reputado, e se este vier aos poucos sempre terá melhor reputação. Seguir-se-ão daqui ao Reino duas grandes utilidades. A primeira, o rendimento das alfandegas e mais direitos reais, porque quanto mais vier a portugal das conquistas, mais virão a ele buscar os estrangeiros e para virem buscar muito não hão-de trazer pouco, e não trazendo pouco é certo que hão-de render as alfandegas muito [...].
A segunda é que como não há nação no mundo que tão comodamente possa navegar esta droga de açucar, dando-a por melhor preço que a Portuguêsa, por este meio pode evitar que nenhuma outra queira se não pelas suas mãos.» (Ibid., 2001, p. 196) .
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Quanto à organização da frota, a armada da CGCB deveria ter uma frota de 6 galeões e 12 fragatas. A esta armada juntar-se-ia algumas embarcações da armada real, de modo a perfazer um armada composta por 10 galeões e 24 fragatas em prontidão permanente. (Ibid., 2001, p. 192) As frotas organizar-se-iam da seguinte forma: «As frotas me parece sejam de dois navios de guerra cada uma; um pode ir ao Rio de Janeiro, outro ficar na Baia, sendo a maior defêsa de toda a frota armada que V. Mde trouxer no mar, aqui [Portugal continental] e na altura das Ilhas [Açores], e em caso que para o Brasil passe algum corsário, das fragatas de V. Mde se poderão apartar aquelas que bastem para os irem buscar [...]» (Ibid., 2001, p. 197). Estimava Castelo Melhor que houvessem cerca de 15 000 homens de mar em todo o reino. «Destes sempre se poderão escolher 2.000. Com este número se guarnecerão as 24 fragatas e quando faltem 300 ou 400 sempre os estrangeiros suprirão [...] Com esta gente e com outra tanta de guerra havemos de guarnecer esta armada porque ainda hà-de haver muitas fragatas dela que tenham 200 homens de guarnição, muitas não excederão o número de 100 e, [...] para que se possa V. Mde servir dos homens do mar, como convem para esta armada, farei presente a V. Mde quais são os seus privilégios e como deles se usa hoje e o remédio que deve haver para que esta gente, sobre o privilégio que gozam, não custe a V. Mde mais do que a outra de guerra.» (Ibid., 2001, p. 199, 200). Os 10 galeões e 24 fragatas seriam custeados pelos rendimentos da CGCB obtidos do comércio do pau Brasil, do sal de setúbal, lucros da fábrica das naus e dos armazéns.
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Portanto, a reforma da CGCB com vista à manutenção de duas frotas anuais ao Brasil era imprescindível para o afluxo normalizado de açucar a Lisboa. Só assim se podia praticar preços baixos, condição sine qua nom para o desincentivo e afastamento de ingleses e particularmente holandeses do Atlântico Sul. Paralelamente, o fim dos privilégios monopolistas da CGCB num quadro de navegação livre ajudaria a completar os objectivos do plano marítinmo de Castelo Melhor por via das sinergias criadas pelos pequenos armadores que ajudariam a regularizar o afluxo de produtos. Por outro lado, uma frota militar de 10 galeões e 24 fragatas garantiria a segurança das frotas, sobretudo entre os Açores e Portugal,podendo até mais tarde recuperar as possesões perdidas da India (Ibid., 2001, p. 192)
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Bibliografia:
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MONTEIRO, Paulo - A perda do galeão S. Pantaleão (1651) [em linha]. [S.l.] Texas A&M University, 2003 [acedido em 29 de Abril de 2007]. Disponível em URL: http://nautarch.tamu.edu/shiplab/projects%20ir%20saopantaleao1.htm
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SOUZA, Francisco da Silveira de Vasconcellos e, (2001) - O Ministro de D. Afonso VI: Luís de Vasconcellos e Souza 3.º Conde de Castello Melhor. Vila Nova de Foz Côa: Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa

1 comentário:

Anónimo disse...

www.pnet.pt ---- muitas gaijas .... mas sem estarem nuas