Torres Vedras de Fernão Lopes

Pode-se afirmar que Fernão Lopes foi o primeiro retratista literário de Torres Vedras quando escreveu a Crónica de D. João I. Nessa obra dedica um pequeno trecho à descrição, ainda que sumarissíma, da vila medieval, em tons elogiosos , talvez para justificar os esforços bélicos empregues pelo Mestre de Aviz (futuro rei D. João I) para conquistar a vila que tinha tomado o partido do rei D. João de Castela, pretendente ao trono de Portugal no interregno de 1383 - 1385.
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Escreveu o cronista que «Este logar de Torres Vedras he hua fortelleza aseemtada em çima dhua fremosa mota, a quall natureza criou em tam hordenada igualldade, como sse a maão fosse feita artefiçialmente; teem boom e graçioso termo junto comssigo e arredor, de paães e vinhas e outros mantiimentos, que naquell tempo per aazo da guerra de todo pomto eram gastados. A villa tem sua çerca arredor do monte, e na mayor alteza delle esta o castello; e amtre a villa e o castelo moravom tam poucos, de que nom he fazer conta; e toda sua poboraçom era em huu gramde arravallde de muitas e boas casas, em bem hordenadas ruas ao pee do monte.»
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O castelo de Torres Vedras visto a partir do cerro de S. Vicente , a norte. O arvoredo envolvente foi plantado em 1940, aquando das obras de melhoramento do castelo. (Fonte: http://viajar.clix.pt/fotos.php?id=1365&lg=pt)

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Desta pequena descrição de Torres Vedras do final do século XIV sublinham-se dois aspectos de interesse histórico. Primeiramente, fica claro que à data do interregno a vila de Torres Vedras estava dividida urbanísticamente em duas áreas distintas. A zona alta, cercada pela muralha ainda hoje existente, formava o burgo original, a vila antiga. Intra muros, no topo do monte situa-se o castelo propriamente dito. Entre a muralha e o castelo desenvolvia-se o casario, pouco povoado nos fins do século XIV. Foi este centro urbano, localizado na parte superior do monte, que D. Afonso Henriques conquistou em 1248. Com a paz proporcionada pelo término da Reconquista, a vila de Torres Vedras desenvolve-se na zona exterior à muralha, ao longo da vertente sul do monte, em direcção aos terrenos planos da Várzea. Foi esta Torres Vedras, integrando a zona antiga, mais alta, detrás das muralhas e a zona nova, fora das muralhas, «huu gramde arravallde de muitas e boas casas, em bem hordenadas ruas ao pee do monte» que Fernão Lopes encontrou.
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Dissemos encontrou, porque pensamos que Fernão Lopes tenha estado em Torres Vedras, ainda que de passagem. Alguns pormenores descritos na Crónica de D. João I só poderiam ser do conhecimento do autor através da observação presencial, física. Como saberia Fernão Lopes que o monte onde assentava a parte velha da vila era de «tam hordenada igualldade, como sse a maão fosse feita artefiçialmente»? Ou como poderia afirmar que a vila tinha « muitas e boas casas, em bem hordenadas ruas ao pee do monte» , e o seu termo bom e graçioso? É de reparar que Fernão Lopes inicia a sua descrição no tempo presente pois escreve «Este logar de Torres Vedras he hua fortelleza [...]», e mais adiante volta a usar o verbo no presente quando escreve que «A villa tem sua çerca [...]». Quando menciona factos passados, como o pouco alimento no termo da vila e o despovoamento da zona intra muros, usa o tempo verbal pretérito, fazendo uma distinção entre o relato do visível, do observado e o relato do que se passou. D. João I esteve em Torres Vedras pelo menos uma vez, em 1413, onde reuniu o concelho régio que decidiu a expedição militar a Ceuta. Como cronista da corte é possível que Fernão Lopes tivesse visitado Torres Vedras nessa ocasião.
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Bibliografia:
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LOPES, Fernão - Crónica de D. João I: segundo o códice n.º 352 do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, introd. Humberto Baquero Moreno; pref. António Sérgio. [S.l.]: Livraria Civilização, [s.d.], vol. I, p. 361

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