Inicia-se com este post uma pequena série de três descrições de pequenas batalhas navais que ocorreram ao largo da costa de Portugal. Entende-se por pequenas batalhas navais confrontos violentos entre várias embarcações e respectivas equipagens, sem qualquer consequência politico-militar, episódios de guerra omitidos nas grandes sínteses históricas, mas registados por autores coevos, de cujo relato nós recorremos para a sua descrição.
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A primeira batalha naval deste conjunto de textos desferiu-se à entrada da barra de Lisboa no mês de Maio de 1706, e foi relatada por José Soares da Silva, académico de número da Academia Real de História, na Gazeta em forma de carta, manuscrito publicado pela Biblioteca Nacional em 1933.
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«Chegarão as nossas frotas, com o favor de Deus, e só com o favor de Deus, fiado no qual vierão do Brazil 150 naos (tais, quais nem em numero, nem em riqueza entrarão nunca neste porto) em as tres frotas da Bahia, Rio e Pernambuco. Entrarão primeiro as de Pernambuco, e Bahia que fazião 108 naos mercantes com 5 de comboy, as quais aqui na barra se encontrarão com duas naos de guerra de França, e hum pataxo de fogo, que com toda a rezolução investirão logo a mais possante da frota, a qual se havia apartado das outras mais do necessario, e era a nao Alamoda, de que era capitam Antonio Vas Salgado, sobrinho de Antonio Dias Rego, que sem se lhe dar dos avizos do tio, cabo de toda a frota, se meteu debaxo da artilharia franceza, que com effeito a poucos passos, ou a poucos tiros a rendeu logo; a tempo que ja lhe acudia o Rego, ao qual as duas quizerão fazer o mesmo, atracando a cada hua por seu costado; e assim briga 7 oras incessantemente; sendo as quatro companheiras testemunhas de como aquilo se fazia; e so no fim da obra chegou hu capitam a dar lhe então hua carga por despedida, e de largo, pelo que podia suceder. Se estes Senhores tivessem que lhes ensinasse o como isto se fazia, elles o não fizerão como o fizerão. O que he sem duvida, que só a nao S. João de Deus, em que vinha o Rego, livrou a nao Alamoda, e muita parte da frota de irem a salvamento a França; que os outros capitães faltava-lhe o vento, e derão em calmaria: e tambem he certo que a poder ella jogar a artilharia debaxo (o que não fez por muito carregada, que he moda galante dos nossos comboys) talvez que entrara com mais algua nao das que trazia. Custou a galhofa a vida do tal capitam Salgado (vá com Deus) e a do nosso Rego (que he lastima) que na peleja o matavão, ficando tambem sem hum braço o capitam tenente , e mais de cento e tantos mortos e feridos: o que tudo sei de pessoa grave e fidedigna, que foi testemunha de vista, e que na verdade tem bem que contar da batalha. A frota do Rio entrou depois com melhor successo, e com melhores conductores (SILVA, 1933, pp. 64, 65).»*
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A Guerra da Sucessão de Espanha (1701 - 1714), na qual Portugal participou em aliança com a Inglaterra e as Províncias Unidas (à época conhecidas como Potências Marítimas) expôs a frente marítima portuguesa às acções ofensivas dos navios franceses, sobretudo de corsários (GUERREIRO, 1997, pp. 281 - 289). Estes navegavam entre o continente e arquipélago dos Açores, na expectativa de conseguirem assaltar as frotas vindas do Brasil. A conjuntura de guerra veio mostrar as debilidades da marinha portuguesa em conseguir defender as frotas vindas das colónias, conforme demonstra a batalha naval descrita, e em proteger o vasto litoral ultramarino, como aconteceu em 1708 quando os franceses saqueiam a ilha de São Jorge e de S. Tomé, ou em 1711 no Rio de Janeiro onde o corsário francês Duguay-Trouin ocupou a cidade durante mais de um mês.
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Notas:
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* Na transcrição do texto desdobraram-se as abreviaturas e regularizaram-se as maiúsculas.
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Bibliografia:
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SILVA, José Soares da (1933) - Gazeta em forma de carta (anos 1701 - 1716). Lisboa: Biblioteca Nacional, tomo I
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GUERREIRO, Luís R. (1997) - O grande livro da pirataria e do corso. [S.l.]: Temas e Debates
1 comentário:
Por razões óbvias gosto muito deste blogue
Obrigado
Luís Maia
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